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A Censura Combate o Ódio?

Foto por Ben Raynal

 

   Vivemos em um mundo de censura. Mesmo tendo passado mais de vinte anos após a censura do Regime Militar, é triste dizer que ainda somos censurados. Muitos até se calam, temendo ser mal interpretados e tomarem processos. Outros temem fazer amizades com pessoas de outra etnia, ou orientação sexual, temendo que mal entendidos resultem em serem processados. Hoje em dia, se considera vítima aquele que se sente ofendido independente se houve ou não uma ofensa real.
   Ainda, todos nós pagamos um preço caro pela censura. É necessário destinar recursos para uma lei de censura de opinião, inclusive recursos humanos: policiais, juízes advogados. A censura gasta o tempo da polícia e do judiciário. Juízes que poderiam estar condenando um assassino estão julgando discussão de casal, briguinha de bar, ofensas verbais. E a polícia deixa sua ronda, para a nossa insegurança, e vai resolver ninharias em algum estabelecimento. O efeito da censura é o que nós estamos vivendo: violência absurda e lentidão igualmente absurda em condenar criminosos; porque estamos gastando os recursos do sistema para resolver sentimentos feridos ao invés de resguardar os recursos para combater violência real.
   O preço que pagamos, usando a polícia que poderia estar nos protegendo contra crimes mais ameaçadores, congestionando o sistema judiciário com milhares de "vítimas" de coração ferido, vale mesmo? A censura ajuda a diminuir o ódio? Olhe o país em que você vive, parece-lhe que a censura diminui o ódio?
   Uma mera observação prática é suficiente para perceber que há algo errado com esse método de censurar. Parece que a censura serve somente para extorquir dinheiro e fazer ativismo jurídico.
   E censurar é especialmente ineficaz quando é uma censura seletiva. Na constituição brasileira, no artigo 220, § 2º diz que "é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Note que a nossa constituição não diz que existe uma ética dominante, a censura não é vedada somente para quem expressa uma opinião arguciosa, correta, pacífica, amorosa, livre de preconceito… mas toda a expressão de natureza política, ideológica e artística; isso significa que uma expressão não deve ser censurada nem mesmo quando é um discurso preconceituoso, incorreto, burro, fake news e assim por diante.
   Estabelecer uma moral dominante, onde a censura é justificável dependendo do baixo nível do discurso, resulta em moralismo seletivo.
  Uma censura é justificável em nosso país somente se for contra uma determinada raça, sexo ou grupo; deixando os protegidos livres para exprimir suas ofensas, e com certeza abusarão do privilégio. Um debate não pode ser democrático quando não se confere a mesma proteção para ambas as partes conflitantes. Como tende-se a não censurar as ofensas provindas de classes consideradas "vítimas" pela ética dominante, o discurso de ódio provindo dessas "vítimas" vai estimular o ódio do outro lado. Assim, a censura, especialmente quando é proveniente de um moralismo seletivo, tem o efeito inverso do esperado.
   Já vimos o quanto são caras as leis de censura. Imagine se cada ofensa tivesse que ser processada? Uma vez que não é viável combater todos os discursos de ódio, mesmo quando a censura é seletiva, o que se pode fazer é punir alguns, normalmente pessoas famosas e usá-los como exemplo. No final a censura aumenta as ofensas e o sistema fica tentando maquiar de ordem o caos punindo alguns famosos.
   Nessa era de censura seletiva, que muitos chamam de "politicamente correto", nunca foi tão frequente manifestações de racismo, sexismo e outras formas de ódio. Leis de censura aumentam a tensão entre os diferentes, deixando os nervos à flor da pele.
   Por esses motivos, inclusive os preciosos recursos que  o país desperdiça
com censura, a conclusão mais razoável é que censurar é algo ineficaz.
Estou dizendo, então, que deveríamos deixar as pessoas livres para ofenderem umas às outras, para discriminar a raça, o credo, o gênero? Sim. Principalmente pela impossibilidade de censurar todas as ofensas, sem deixar ninguém acima da regra; torna-se uma medida simplesmente ausente de qualquer democracia.
   Na verdade, além evitar os efeitos nocivos da censura, a liberdade total de expressão tem o seu próprio efeito benéfico. Será que teríamos alguma noção do quanto é perverso o discurso neonazista se os neonazistas fossem ferrenhamente censurados no mundo, tendo eles que ficar calados? Eles continuariam a existir, às escondidas, fariam novos membros, e continuariam a violência deles que sempre foi e sempre será crime; mas os seus discursos seriam aos ouvidos de outros, sem que esses ouvintes possam ouvir também outras ideias sobre o assunto. Seriam discursos totalmente imunes a qualquer refutação! Uma ideologia de ódio deve ser exposta e refutada, jamais calada. Não se pode refutar o ódio quando o calamos; permitir essas ideologias de ódio crescerem de ouvido em ouvido, sem que se possa refutar seus argumentos, é perigoso.
   É estúpido também pensar que o ódio diminuí simplesmente porque se proíbe a expressão desse ódio. O ódio só diminui em contato com a mente do odiador.  A única forma, e não estou dizendo que seja fácil, de diminuir o ódio de alguém é compreender esse ódio e refutá-lo. Dessa forma, a liberdade de expressão não é útil apenas para refutarmos o discurso de ódio e resguardarmos outros de se influenciarem, também é útil para termos um canal de comunicação com os próprios focos desse ódio.
   Por todos esses motivos, a total liberdade de expressão me parece bem mais eficaz para diminuir o ódio. Já a cesnura, em contrassenso, tem o efeito de aumentar o ódio. Uma vez que não possível censurar ofensas contra todos os tipos de indivíduos de todas as classes, reprimir apenas um lado é antidemocrático e produzirá ainda mais ódio. E o ódio crescendo calado se torna uma ameaça cada vez maior. Mas ao darmos total liberdade para as pessoas fazerem seus discursos de ódio, esses discursos podem ser desconstruídos e a ideia deles pode ser combatida.

   O autor desse artigo, Fernando Vrech, também é escritor de ficção e tradutor!

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